Publicado no jornal "A Capital" em 2005
Se calhar só a mim é que parece óbvio que o discurso político e económico devia estar, nos dias que correm, inundado da palavra “design”.
Dizem-nos, repetem-nos e sentimos que a nossa economia vai mal.
Portugal tem um problema de competitividade, visível na incapacidade de nos distinguirmos dos demais. Já não o conseguimos fazer pela mão-de-obra barata, porque outros com vidas e economias mais ameaçadas tomaram-nos a dianteira. De leste ou mais a sul chega quem não hesita em trocar a sua força por um punhado de moedas. Os nossos trabalhadores, que já conheceram esses tempos, mas provaram outras regalias, não querem – e justamente – perdê-las.
É então que se segue, no discurso generalizado, a palavra mágica: mais-valia; é preciso criar valor acrescentado aos produtos que produzimos. Não nos limitarmos a reproduzir, mas antes criar.
Por esta altura já se ouve em todas as bocas falar da “investigação e desenvolvimento”, das “novas tecnologias” ou “inovação”.
E nem uma palavra sobre “design”!
Uma empresa de produção de alimentos ultra-congelados decidiu apostar no relançamento da marca própria: Cozinha Pronta. Dentro da facturação total da empresa, essa marca ocupava 15% nas vendas para o mercado nacional.
Os estudos de mercado, que envolveram provas de degustação, não levantavam problemas quanto à qualidade do produto propriamente dito, mas sobre a imagem do produto, que se apresentava antiquada e de aspecto artificial. A administração decidiu investir na renovação da imagem da empresa e da marca e também na opção por menus tipicamente portugueses e 100% naturais. O processo envolveu investigação sobre o mercado nacional e estrangeiro, estudos de opinião com um painel de consumidores sobre diferentes hipóteses, tudo feito com custos controlados, mas sem descurar a qualidade de todos os pormenores (testes das receitas por um mestre cozinheiro, fotografia em estúdio, afinação de provas de cor, etc.).
O resultado foi compensador: com a nova imagem, a marca duplicou a facturação no mercado nacional e entrou pela primeira vez nos mercados do Canadá, Angola, Luxemburgo, Suiça, Holanda, Irlanda, Inglaterra, África do Sul, Bélgica, Espanha.
No espaço de um ano!
A inovação, que se pode referir à renovação de alguma coisa, como foi referido no exemplo anterior, também pode representar algo de integralmente novo.
O design tem muitas vezes uma intervenção muito mais abrangente, preocupada em antecipar cenários, em procurar além das evidências, em suma, intimamente ligada ao território da inovação. De algum modo, a metodologia que utiliza, a forma como funciona transversalmente a uma série de disciplinas, incorporando-as ou com elas construindo novas soluções, dá-lhe uma forte possibilidade de contribuir positivamente na resolução de problemas.
Em Novembro de 1993, Roterdão foi palco de um evento memorável – O2 Event -organizado por uma equipa de designers, que juntou 118 pessoas de 16 nacionalidades e formação diferentes para discutirem o futuro.
“A experiência diz-nos que o design não se pode limitar à criação de produtos, se queremos construir uma sociedade sustentável”, podemos ler no site (http://www.o2.org).
Este encontro de reflexão partia da ideia de que o mundo está a sofrer transformações brutais a nível social e económico (das quais a globalização é a mais evidente); transformações essas que conduzem a uma exploração suicidária do planeta.
Era pois importante criar uma visão de uma sociedade sustentável.
Retirei do relatório de apenas um dos workshops, dedicado ao debate sobre pequenas companhias, um exemplo da liberdade de abordagem e do papel da criatividade posta ao serviço da renovação de mentalidades. “Definir objectivos inacreditáveis, como o de zero energia, que se podia manifestar num seleccionador inteligente de locais de conferências. Quando se organizasse uma conferência, o local seria seleccionado apenas depois de fecharem as inscrições e basear-se-ia no local de residência dos participantes, tendendo a diminuir os custos de deslocação (claro que foi logo sugerido fazer uma data de amigos no Havai e pedir-lhes para se registarem…”).
Talvez estejamos no momento certo de conduzir um evento semelhante com a pergunta “o que fazer com Portugal?”
Podiamos centrar-nos particularmente na tentativa de ultrapassar o défice de estratégia, notório na ausência de um sentimento de desígnio nacional, e sensível em quase todos os sectores da vida económica, política e social.
Um caso típico de falta de estratégia foi relatado no dia Mundial da Criança por Luís Villas Boas, presidente da Comissão de Acompanhamento da Execução da Lei da Adopção. Referiu que, em Portugal, um menor em risco pode ser alvo de acompanhamento de diversas instituições, mas que estas não trabalham de forma coordenada no sentido de garantir o melhor apoio à criança. O que pode significar esforços duplicados, meios desperdiçados, tempo perdido…
Escolhemos como nossa melhor qualidade o improviso e agora sofremos as consequências. Avançamos erraticamente, por atalhos, à boleia de ventos e marés, e acabamos no Brasil quando queríamos chegar à Índia. Não faz mal, foi óptimo!
Conseguimos fazer (mesmo à justa e contra todas as expectativas) os estádios para o campeonato europeu de futebol (vêem que conseguimos!) mas agora estão a mais, na contabilidade dos clubes e na vida desportiva.
Recebemos milhares de contos em verbas para a formação profissional, mas temos as piores qualificações dos trabalhadores na Europa!
Para um designer, a definição de uma estratégia é ponto fundamental e estruturante do seu trabalho. Não se avança sem um plano. Estabelecem-se objectivos, identificam-se necessidades, públicos a atingir, meios a utilizar. Estudam-se e investigam-se as possibilidades; inventam-se, criam-se alternativas; discutem-se, comparam-se, avaliam-se soluções.
Esse processo nem sempre é pacífico, já que pode pôr em causa práticas enraizadas ou exigir mudanças não antecipadas. Mas quando o que está em causa são resultados credíveis e não actos de cosmética é preciso coragem para assumir determinadas decisões. Quando age assim, quando o deixam agir assim, o designer garante resultados.
Então porque é que não se fala mais de design?
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