Pubicado no Jornal "A Capital" a 6 de Fevereiro 2005
Ao entrar em Lisboa pela auto-estrada do Norte não pude deixar de reparar na frase de um outdoor “Três designs à sua escolha” que oferece – a quem quer comprar casa –
o que julgo serem três opções de planta: provavelmente cozinha logo à entrada ou à direita da casa de jantar, quarto com closet ou amplo e sala em L ou com portas a meio…
Esta forma de usar a palavra design é um clássico em Portugal – “experimente este carro com design espectacular”, “veja a nossa colecção de sapatos de design moderno” ou “arranje aqui o seu cabelo com design e arte” – que tem a particularidade de reduzir o seu significado a modelo, aspecto ou aparência.
Em boa verdade não existe propriamente um erro nesta formulação. Ao distinguirem os objectos “com design” dos demais, as pessoas introduzem na sua leitura uma diferença, alguma mais-valia e reconhecem um projecto e uma intenção.
De qualquer modo, esta perspectiva não deixa de ser redutora.
O facto é que a faceta mais divulgada do design é a materialização em objectos, rodeados de publicidade e marcados com etiquetas, que correspondem, não raro, à imagem de coisa cara, sofisticada, boa para oferta. São marcas, edições exclusivas, modernices…
Acontece que, nem o design é apenas um exercício de sofisticação, nem deve andar arredado das preocupações do dia-a-dia. Na realidade, está ou deveria estar presente nas coisas práticas, facilmente utilizáveis, pouco dispendiosas, funcionais, carregadas de sentido…O design na essência é democrático e transversal à sociedade.
Porque é que a chave do seu carro há-de ter design e o descascador de batatas não?
Não sente a falta de sinalização em certos edifícios públicos?
Será normal, em caso de incêndio, perder-se num mapa para descobrir a saída?
Estas questões lembram casos em que a intervenção do design se demonstra necessária, mas não existe.
Mas outros há em que ela existe e não é notada.
Já alguma vez pensou que, havendo letras com patilha e outras sem, umas estreitas, outras largas, e tantas de desenho tão diferente, o designer que criou a lista telefónica teve que pesar as alternativas antes de optar?
Sabia que a administração pública inglesa determinou, em tempo de guerra, que o design das cartas se faria alinhando todos os textos à esquerda, permitindo obter uma economia de cerca de 15% nos custos de dactilografia, correspondente ao tempo despendido a acertar as linhas do endereço e datas.
São exemplos do que se poderia chamar de design invisível.
Quando é bem feito não se nota. Sente-se apenas a sua falta.
Não acredita? Então repare: é ou não importante a clareza visual e hierarquia de informação nos impressos dos impostos? E alguma vez lhe passaria pela cabeça pedir: “Passe-me um desses impressos com design, por favor!”?
Preparar um documento desse tipo exige um aturado trabalho de investigação – é preciso conhecer perfeitamente as necessidades de informação a constar (reduzindo-a ao mínimo), entender as consequências do preenchimento de cada campo para poder determinar a sua hierarquização e divisão visual – sempre tendo em vista responder à facilidade no preenchimento e considerando quem vai, e como se vai depois, lidar com a informação recolhida.
Outra vertente do design invisível é aquela em que o designer pode ter como função analisar uma determinada situação, identificar os problemas existentes e criar um conjunto de recomendações ou um sistema de actuação, sem criar um objecto propriamente dito.
Nestes casos, mais do que um resultado, é uma metodologia que está em causa.
Metodologia essa que pretende introduzir alguma ordem e intenção na criação de objectos ou na comunicação de ideias.
Li há tempos sobre o caso de um designer italiano que recebeu o convite para trabalhar com uma pequena Comuna que registava problemas sérios de comunicação com os munícipes. Deles não surgiam comentários nem sugestões e a participação na vida comunitária era praticamente nula.
Começou por se inteirar das responsabilidades da Comuna, actividades levadas a cabo, problemas principais e condicionantes materiais existentes.
Uma vez que lutavam com dificuldades financeiras, mas dispunham de um parque gráfico próprio, embora rudimentar, decidiu desde logo tirar partido desses meios.
Identificou as prioridades e passou à prática. Criou uma identidade visual e produziu um linha gráfica simples, facilmente identificável e imediatamente reconhecível nos primeiros posters editados, colocados no comércio local. Tinham informação dos programas e horários de actividades que decorriam. Editou um boletim regular e um conjunto de postais de resposta paga para reclamações e sugestões.
Gradualmente, a população começou a mobilizar-se, a reagir e a participar. Ao déficit notório de comunicação, sucedeu-se uma política de proximidade.
Não se tratou apenas da criação de objectos, mas da avaliação correcta de uma situação e do estabelecimento de um programa de intervenção.
Um trabalho harmonizador, transversal e nem sempre visível.
Portugal conhece o design há relativamente pouco tempo.
Talvez porque ainda está longe de entrar no domínio comum, e não porque pediu emprestada uma palavra estrangeira, o “design” aparece-nos sistematicamente com aspas.
O que é pena.
Numa altura em que as mentes se agitam à procura de soluções para a deficiente economia portuguesa, uma aposta no design invisível podia ser o factor decisivo de competitividade.
Mais do que criar objectos especiais, caros, únicos, modernos, e muitas vezes inúteis, era importante produzir conteúdos sérios, discutir necessidades e prioridades, criar sentido na sociedade.
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