sexta-feira, 30 de maio de 2008

A mala LA.GA


Ao "folhear" o site do Peter Saville deparei com um projecto feito para a empresa portuguesa KrvKurva.
Fui procurar mais informação sobre eles e encontrei este artigo na Fora de Linha (uma revista da FCSH-UNL), que aqui transcrevo. Mostra bem o percurso empreendedor que se exige, particularmente aos designers portugueses.

Quando Daniela e Jorge começaram a divulgar o seu projecto em Portugal, nunca pensaram encontrar tantos obstáculos. “Muitas vezes acusaram-nos de não ser os verdadeiros autores da mala”, conta Jorge recordando o episódio em que a proprietária de uma loja insistiu que a LA.GA bag era um projecto estrangeiro: “Eu até pendurei na parede uma página da revista View onde está essa mala porque a achei giríssima!”, disse-lhes a comerciante. É que a LA.GA já corria o mundo nas páginas das revistas internacionais.

“Um dos problemas em Portugal é a falta de reconhecimento dos designers e produtos nacionais” denuncia Daniela. “As pessoas consomem mais o efeito social da moda do que os produtos em si”. A designer conta como as grandes multinacionais alimentam ainda mais esta tendência. Os seus produtos imitam as criações originais e estimulam as pessoas a comprar o mesmo estilo por um preço muito mais baixo.

55 kg em 40 gr...
A LA.GA venceu este panorama negativo. Para a dupla de designers, um dos motivos de sucesso está no material- o tyvek- concebido pela DuPont num laboratorio em Nova Iorque. “Procurámos trazer para o uso diário materiais utilizados na medicina, engenharia e aeronautica”. Daniela e Jorge apostam na inovação, contrariando o uso de materiais convencionais como o algodão.
À primeira vista parece papel, o que causa ainda mais impacto. Afinal, trata-se de um material resistente, com uma gramagem muito específica e lavável à máquina. Esta mala é para ser vestida. “Sem dúvida que a LA.GA sem o tyvek não teria a mesma performance: são 40 gr que suportam 55 kg!”
A LA.GA “é o culminar de toda a investigação que vinhamos a fazer desde a faculdade”, revela Jorge. Os projectos em comum começaram na Faculdade de Arquitectura de Lisboa, altura em que os dois designers já participavam em concursos e exposições. Este dinamismo deu origem, há cerca de um ano à KrvKurva, atelier onde os dois jovens continuam a desenvolver os seus projectos. “Esta empresa funciona como um laboratório- é preciso procurar conceitos novos.”
A inovação também passa por uma forte consciência social. Um dos motivos que deu o Prémio Nacional do Design a Daniela e Jorge foi o processso de produção da mala- “Não misturamos muitos materiais, só tyvek, linha e tinta”. O processo de reciclagem fica assim facilitado.
A LA.GA bag marca pela diferença mas Jorge e Daniela fazem questão que esta originalidade não imponha preços elevados: “Não queremos que a mala seja uma obra de arte. Ela é uma peça de design, é suposto ter uma função!”

A LA.GA e a Fabrica Features
A LA.GA herdou este nome em homenagem a Gala Fernandez, a project manager da Fabrica Features da Benetton. “Devemos-lhe muito, daí o nome da mala- é o nome dela, com as sílabas invertidas!”.
A Fabrica Features é um espaço cultural criado pela Benetton que se destina ao apoio e divulgação de jovens talentos no campo da arte. Para Jorge, a Fabrica Features é “uma referência na área do design, um sinal de qualidade”.
A ligação entre os designers e este projecto da Benetton já existia porque Jorge trabalhou como consultor na Fabrica em Itália. No entanto, foi Gala Fernandez quem abraçou desde logo esta ideia da dupla portuguesa.
Hoje a relação de Jorge e Daniela com a Fabrica Features é ainda mais forte. A KrvKurva é a actual responsável por este espaço da Benetton em Lisboa.

“To love is not an option”
A mala, na sua versão original branca, começa a ser comercializada em Itália. As portas em Portugal abrem-se depois da LA.GA ser premiada em vários concursos. A partir daí, a mala tem sido alvo de todas as atenções no mundo do design de moda. “Quase que fomos obrigados a criar uma colecção que desenvolve outros padrões para além da branca” diz Jorge. Nasce assim a colecção “To love is not an option”.
Os padrões tiveram o contributo de vários artistas convidados. Fizeram-se edições limitadas de 300 unidades mas também peças únicas. “Talvez a branca seja a nossa preferida por ser a primeira. Mas todas elas têm uma história”- como é o caso do modelo patrocinado pela Benetton que tem o retrato de um escultor chinês que fazia parte do projecto Fabrica Features. “ A ideia era transmitir um sentimento positivo e ele foi a melhor inspiração!”
O percurso da LA.GA já é longo. Passou por Atenas, Londres, Japão e em Novembro estará presente na Trienal de Design em Milão. Esta exposição organizada pelo comissariado da presidência da República contará com a presença de trabalhos de designers e arquitectos portugueses realizados entre 1990 e 2004.
A KrvKurva vai ser representada pela peça original branca da LA.GA e mais duas “to love is not an option”, pintadas por artistas portugueses. Mais uma vez, a LA.GA viaja pelo mundo da moda, mostrando que o design português tem uma palavra a dizer.

Visite atelier KrvKurva
Texto de: Bernardo Aguiar, Diana Matias e Vera Moura

terça-feira, 18 de março de 2008

nos intervalos

Portugal vive numa curiosa obsessão pelos intervalos, que se revela na linguagem:
"estamos quase no Natal!"
"decretaram ponte para quinta-feira"
"o fim de semana que não chega..."
"quantos feriados há este ano?"
"já não dá... estamos quase na hora de almoço"
"vou meter baixa"
"pediste despensa?"
"esta semana é óptima, só tem três dias!"
"não vale a pena marcar nada, porque estamos quase na Páscoa"
"a partir de Junho e até Setembro, nada feito! Está sempre algum administrador de férias"
"a Srª Doutora já chegou, mas deve ter ido beber um cafezinho"
"melhor do que intervalos, só pão com manteiga"

12 tipos de cliente e como trabalhar com eles

Na sequência do post anterior, mais uma colecção de instruções de como lidar com diferentes tipos de clientes. http://freelanceswitch.com/clients/12-breeds-of-client-and-how-to-work-with-them

Estão no blog Freelance Switch e chegaram-me através do blog http://www.reactor-reactor.blogspot.com/

sexta-feira, 14 de março de 2008

contra os designers

É em espanhol, mas perfeitamente perceptível. Pertence a Alejandre Huerta, mas chegou-me via Pedro Aniceto (http://isopixel.net/archivo/2007/09/contra-los-disenadores)


“Como todos saben, los diseñadores gráficos son la razón por la que hay tantas guerras y caos en el mundo. Se meten en nuestras mentes con los mensajes subliminales que usan en sus diseños, nos obligan a gastar nuestro dinero en productos inútiles, nos llevan a la depresión y a cometer actos violentos y claro, la mayoría de los diseñadores son comunistas.
Así que para salvar al mundo de los malvados diseñadores gráficos he creado esta lista de cosas que podemos hacer para asegurarnos de acabar con ellos y obligarlos a dejar su profesión… por siempre!!!!

1. Microsoft Office. Cuando tengas que mandarle un archivo a un diseñador grafico asegúrate que este hecho en algún programa de Microsoft Office, versión para PC de preferencia. Si le tienes que mandar imágenes asegúrate que estas estén incrustadas en un archivo de Office como Word o PowerPoint, esto lo volverá loco. No se te olvide bajarle la resolución lo mas que puedas a la imagen de esa manera tendrá que llamarte para pedirte una en mas alta resolución y cuando lo haga, mándale una aun más pequeña. Si usas email para enviársela olvida adjuntar el archivo un par de veces.

2. Fuentes. (Tipos de letra) Si el diseñador escoge Helvética, tú pídele Arial. Si él escoge Arial pídele Comic Sans. Si él escoge Comic Sans quiere decir que ya está medio loco y tu misión será más fácil.

3. Más es mejor. Digamos que mandaste a diseñar un volante. Los diseñadores gráficos siempre tratan de dejar espacio en blanco por todas partes: usan márgenes grandes, mucho espacio entre letras y entre las líneas de un párrafo. Ellos dicen que esto hace que sea más fácil de leer y que el diseño se verá más limpio y profesional. Mentira! La razón por la cual hacen esto es para que tu documento sea más grande y costoso. ¿Por qué hacen esto? Porque los diseñadores gráficos odian a la gente… también comen bebes…crudos.
Así que pídele al diseñador que use márgenes pequeños y el texto lo haga muy pequeño. Que use muchos tipos de letra y de esos dibujitos que vienen predeterminados en los programas de Office. Ellos trataran de defender sus razones pero no te preocupes, al final tú eres el cliente y tienes la razón.

4. Logotipos. Si le tienes que enviar un logotipo a un diseñador para algún proyecto asegúrate de seguir el procedimiento de mandar imágenes detallado en la regla #1 o mejor aun, dile que lo baje de Internet o mándaselo por fax. Una vez que el pobre diablo logre recrear tu logo en el diseño pídele que lo haga lo mas grande posible. Por otra parte, si quieres que te diseñe un logotipo personalizado haz tus propios bocetos en una servilleta o pídele a uno de tus sobrinitos que lo dibuje por ti. El boceto tienes que estar lo MENOS detallado posible. Entre menos entienda el diseñador mejor porque así lo obligaras a hacer mil cambios después. Nunca aceptes la primera propuesta que haga ni la novena. Pídele que meta una foto en el logotipo, letras en 3D con degradados de arco iris y que use por lo menos tres tipos de letras.
Cuando te entrega la décima propuesta dile que te gusto mas la segunda pero que se parezca a la quinta usando los colores de la séptima. Esto es cruel pero recuerda los diseñadores gráficos son la causa numero uno de cáncer en nuestro país.

5. Usa tus propias palabras. Cuando le describas un proyecto a un diseñador asegúrate de usar términos que no significan algo como por ejemplo: “Quiero un diseño súper padre” o “que se vea bonito”, “que vibre”, “algo espectacular”. Si lo prefieres usa términos contradictorios:“colorido pero en blanco y negro”“conservador pero extravagante ”Hacer esto pone al diseñador un paso más cerca de la locura y mas lejos de querer seguir ejerciendo su profesión.

6. Colores. La mejor manera de escoger colores para tu diseño es al azar. Puedes escribir los colores que más te gusten en papelitos y echarlos en un sombrero y escoger a ciegas. Los diseñadores sugerirán que escojas dos o tres cuando mucho pero no te dejes engañar ellos quieren sabotear tu trabajo, escoge cuantos colores quieras y si quieres cambiarlos a la mitad del proyecto estas en todo tu derecho.

7. Fechas límite. Cuando el diseñador te pida que apruebes el proyecto, tomate tu tiempo. No hay prisa, tomate dos o tres días hasta una semana si quieres siempre y cuando justo un día antes de vencer el plazo de entrega del proyecto le digas al diseñador que tiene que hacer mas correcciones y cambios. Esto probablemente hará que el hígado del diseñador explote pero ¿qué más da? Ellos son responsables de los ataques terroristas que ha sufrido nuestro país últimamente.

8. Acábalo!! Después de aplicarle todo lo de esta lista a tu víctima, el diseñador, por naturaleza humana (está por determinarse si son humanos o no) se sentirá un tanto inseguro. Para ahora se dará cuenta de que no puede satisfacer tus necesidades y abandonara toda esperanza de ganar un argumento contra ti y hará todo lo que le pidas sin respingar. Si quieres tu diseño en amarillo canario con letras naranjas lo hará.
Es fácil pensar que después de todo esto has ganado la guerra contra los diseñadores pero recuerda que la meta es que el diseñador se retire del negocio. Así que prepárate para darle el golpe mortal. Cuando se estén haciendo las decisiones finales sobre los colores, el texto, las imágenes, etc. Dile que te sientes defraudado por su falta de iniciativa, que él es el diseñador y debería ser él quien tome las decisiones usando su experiencia y talento, no tú.
Dile que esperabas mas iniciativa y consejos de su parte y que ya estas harto de su falta de creatividad y que de ahora en adelante tú harás tus propios diseños en Microsoft Publisher o Word en vez de pagar por sus servicios. Después de esto puedes estar seguro de que en el mundo habrá un diseñador grafico menos del cual cuidarse.”

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Alerta LX

Publicado no Jornal "A Capital" a 10 Julho 2005

Lisboa é uma cidade bonita!
Ou melhor, tem tudo para ser bonita: um rio e o mar que anda por perto; mais de meia dúzia de colinas que animam a paisagem de casario e deixam lugar aos miradouros; uma intrincada teia de ruas com interessantes exemplares de arquitectura e alguns belos mas despovoados jardins.
A maior parte de nós nasceu e conhece, revê-se, num cenário de cidade.
Sabe-lhe os cantos, os atalhos, reconhece as zonas, as fronteiras. Mas, tal como acontece com as pessoas, as rugas das cidades que envelhecem connosco tornam-se invisíveis. Habituamo-nos às pequenas diferenças que vão surgindo e alterando a sua face.

A imagem das cidades advém fundamentalmente do modelo urbanístico (organização do espaço), das intervenções arquitectónicas (com estilos de épocas diferentes, monumentos e edifícios singulares) e da caracterização do espaço público (passeios, mobiliário urbano, sinalização).
E, claro, depende das pessoas. Do que elas fazem e permitem fazer.
Cidadãos e governantes. Os primeiros quando preferem o interesse próprio imediato sobre o do conjunto e os segundos quando se preocupam apenas com o curto prazo e show-off.
Se o domínio do automóvel, que arrebatou espaço às ruas e passeios, ou a desertificação de habitantes proporcional à invasão de “laborantes” levaram a que a imagem de Lisboa se degradasse, a ausência de normas ou senso na sua aplicação e fiscalização fazem o que faltava.

As intervenções de carácter urbanístico (relativas ao desenho e estrutura geral da cidade) são escassas e difíceis de levar a cabo. Surgem por vezes em virtude de catástrofes – como aconteceu após o terramoto pelas mãos do Marquês de Pombal e a equipa da Casa do Risco das Reais Obras Públicas de Lisboa –, para evidenciarem o poder político – caso do Estado Novo -, ou pelo empenho de governantes – como sucedeu, num certo sentido, com a Expo98.

Já o controlo sobre a arquitectura parece ser cada vez mais difícil: à degradação dos edifícios por anos de abandono, poluição e adendas (marquises, toldos, fios, graffitis e publicidade) somam-se a heterogeneidade e fragmentação das novas construções, cujos bons exemplos se perdem no conjunto desordenado.

Provavelmente, só o espaço público nos permite criar uma identidade própria e um espírito de lugar.
Para alterar a imagem de falta de unidade e coerência que assola Lisboa - e que não a promove nem dignifica - temos de atentar no que pode contribuir para criar essa identidade que lhe escapa, e recuperar os detalhes que a valorizam e que, em tantas situações, se estão a perder.

Na década de 90, a cidade inglesa de Bristol (que tinha atingido um dos períodos de maior desenvolvimento na sua história) reconheceu a necessidade urgente de estabelecer um programa de identidade que ajudasse simultaneamente a criar alguma ordem na sinalização e informação a prestar a visitantes e residentes.

Por iniciativa do “City Council” um grupo de peritos de diversas áreas (urbanismo, geografia social, psicologia ambiental, design de comunicação, entre outros), envolvendo diversos departamentos da cidade, desenhou um plano de intervenção sempre centrado no utilizador e que se pretendia aberto, isto é, actualizável, reprogramável, adicionável. (http://www.bristollegiblecity.info/).

A intervenção, como sempre acontece nestes casos, tem muito de invisível a suportar o que depois se materializa. Fundamentalmente foi infraestruturado um sistema de localização, orientação e informação. Que é obra!
As transformações passaram pela criação de um tipo de letra específico utilizado em todos os suportes de informação; de um conjunto de pictogramas facilmente reconhecíveis e uma paleta de cores com o azul de Bristol (presente em edifícios e pontes, na presença do mar e na construção em aço); de painéis de informação, sinais direccionais e algum mobiliário urbano.
Nada de logotipos e verniz. Uma intervenção estruturante e transversal. Que a todos envolvia e pedia contributos e participação.
A reboque deste plano vieram as transformações sobre o trânsito, a racionalização de percursos pedestres, a recuperação de edifícios e monumentos emblemáticos…
É um projecto ambicioso, mas de grande retorno!

Voltando a Lisboa…num retrato breve da actual situação o que encontramos?
Ruas com linhas de eléctrico desactivadas que permanecem aos pedaços no alcatrão; buracos ou remendos que o transformam em verdadeira manta de retalhos ou mostruário de materiais; mau estado dos passeios (é difícil encontrar um exemplo de calçada portuguesa que não tenha pedras soltas, pilaretes tortos, ervas daninhas, lixo ou restos de areia de obras “terminadas”); sinalização tanto excessiva quanto inadequada. Publicidade decidamente excessiva (agora até os retratos dos candidatos ocupam abusadoramente muitos dos passeios em placards de aspecto precário). Informação pouca e colocada sem critérios muito evidentes. Mobiliário urbano que tem de tudo: em variedade e estado de conservação (pelo menos 60! variedades de candeeiros de iluminação pública – algumas lado a lado - , uma dúzia de tipos de pilaretes anti-estacionamento, muitos modelos de bancos de jardim e vários géneros de paragem de autocarro).

Será que os responsáveis não dão pela falta de uma imagem coordenada na cidade, importante para quem a visita ou nela vive, e com ela se quer identificar?
Porque se sente esta falta de cuidados e coerência no espaço público?
O Regulamento Municipal sobre a Gestão do Espaço Público contém apenas algumas normas básicas sobre a colocação de quiosques e esplanadas. Nada diz sobre os critérios de aquisição ou criação, colocação e manutenção de mobiliário urbano; muito menos sobre uma ideia mais alargada de identidade ou informação no espaço público.
Os “olheiros” - funcionários do programa Lx Alerta que circulam pela cidade em Smarts para verificar se existem problemas que necessitem de intervenção da Câmara - ou o fazem de olhos fechados, ou têm instruções para não procurar.
Planos sobre a coordenação da imagem da cidade? Desconhecemos.

Estamos em ano de eleições autárquicas.
É altura de conhecer o que penam os candidatos sobre a Gestão do Espaço Público e da imagem da cidade.
Venham os planos…

E nem uma palavra

Publicado no jornal "A Capital" em 2005

Se calhar só a mim é que parece óbvio que o discurso político e económico devia estar, nos dias que correm, inundado da palavra “design”.


Dizem-nos, repetem-nos e sentimos que a nossa economia vai mal.
Portugal tem um problema de competitividade, visível na incapacidade de nos distinguirmos dos demais. Já não o conseguimos fazer pela mão-de-obra barata, porque outros com vidas e economias mais ameaçadas tomaram-nos a dianteira. De leste ou mais a sul chega quem não hesita em trocar a sua força por um punhado de moedas. Os nossos trabalhadores, que já conheceram esses tempos, mas provaram outras regalias, não querem – e justamente – perdê-las.
É então que se segue, no discurso generalizado, a palavra mágica: mais-valia; é preciso criar valor acrescentado aos produtos que produzimos. Não nos limitarmos a reproduzir, mas antes criar.
Por esta altura já se ouve em todas as bocas falar da “investigação e desenvolvimento”, das “novas tecnologias” ou “inovação”.
E nem uma palavra sobre “design”!

Uma empresa de produção de alimentos ultra-congelados decidiu apostar no relançamento da marca própria: Cozinha Pronta. Dentro da facturação total da empresa, essa marca ocupava 15% nas vendas para o mercado nacional.
Os estudos de mercado, que envolveram provas de degustação, não levantavam problemas quanto à qualidade do produto propriamente dito, mas sobre a imagem do produto, que se apresentava antiquada e de aspecto artificial. A administração decidiu investir na renovação da imagem da empresa e da marca e também na opção por menus tipicamente portugueses e 100% naturais. O processo envolveu investigação sobre o mercado nacional e estrangeiro, estudos de opinião com um painel de consumidores sobre diferentes hipóteses, tudo feito com custos controlados, mas sem descurar a qualidade de todos os pormenores (testes das receitas por um mestre cozinheiro, fotografia em estúdio, afinação de provas de cor, etc.).
O resultado foi compensador: com a nova imagem, a marca duplicou a facturação no mercado nacional e entrou pela primeira vez nos mercados do Canadá, Angola, Luxemburgo, Suiça, Holanda, Irlanda, Inglaterra, África do Sul, Bélgica, Espanha.
No espaço de um ano!

A inovação, que se pode referir à renovação de alguma coisa, como foi referido no exemplo anterior, também pode representar algo de integralmente novo.
O design tem muitas vezes uma intervenção muito mais abrangente, preocupada em antecipar cenários, em procurar além das evidências, em suma, intimamente ligada ao território da inovação. De algum modo, a metodologia que utiliza, a forma como funciona transversalmente a uma série de disciplinas, incorporando-as ou com elas construindo novas soluções, dá-lhe uma forte possibilidade de contribuir positivamente na resolução de problemas.

Em Novembro de 1993, Roterdão foi palco de um evento memorável – O2 Event -organizado por uma equipa de designers, que juntou 118 pessoas de 16 nacionalidades e formação diferentes para discutirem o futuro.
“A experiência diz-nos que o design não se pode limitar à criação de produtos, se queremos construir uma sociedade sustentável”, podemos ler no site (http://www.o2.org).
Este encontro de reflexão partia da ideia de que o mundo está a sofrer transformações brutais a nível social e económico (das quais a globalização é a mais evidente); transformações essas que conduzem a uma exploração suicidária do planeta.
Era pois importante criar uma visão de uma sociedade sustentável.

Retirei do relatório de apenas um dos workshops, dedicado ao debate sobre pequenas companhias, um exemplo da liberdade de abordagem e do papel da criatividade posta ao serviço da renovação de mentalidades. “Definir objectivos inacreditáveis, como o de zero energia, que se podia manifestar num seleccionador inteligente de locais de conferências. Quando se organizasse uma conferência, o local seria seleccionado apenas depois de fecharem as inscrições e basear-se-ia no local de residência dos participantes, tendendo a diminuir os custos de deslocação (claro que foi logo sugerido fazer uma data de amigos no Havai e pedir-lhes para se registarem…”).

Talvez estejamos no momento certo de conduzir um evento semelhante com a pergunta “o que fazer com Portugal?
Podiamos centrar-nos particularmente na tentativa de ultrapassar o défice de estratégia, notório na ausência de um sentimento de desígnio nacional, e sensível em quase todos os sectores da vida económica, política e social.
Um caso típico de falta de estratégia foi relatado no dia Mundial da Criança por Luís Villas Boas, presidente da Comissão de Acompanhamento da Execução da Lei da Adopção. Referiu que, em Portugal, um menor em risco pode ser alvo de acompanhamento de diversas instituições, mas que estas não trabalham de forma coordenada no sentido de garantir o melhor apoio à criança. O que pode significar esforços duplicados, meios desperdiçados, tempo perdido…

Escolhemos como nossa melhor qualidade o improviso e agora sofremos as consequências. Avançamos erraticamente, por atalhos, à boleia de ventos e marés, e acabamos no Brasil quando queríamos chegar à Índia. Não faz mal, foi óptimo!
Conseguimos fazer (mesmo à justa e contra todas as expectativas) os estádios para o campeonato europeu de futebol (vêem que conseguimos!) mas agora estão a mais, na contabilidade dos clubes e na vida desportiva.
Recebemos milhares de contos em verbas para a formação profissional, mas temos as piores qualificações dos trabalhadores na Europa!

Para um designer, a definição de uma estratégia é ponto fundamental e estruturante do seu trabalho. Não se avança sem um plano. Estabelecem-se objectivos, identificam-se necessidades, públicos a atingir, meios a utilizar. Estudam-se e investigam-se as possibilidades; inventam-se, criam-se alternativas; discutem-se, comparam-se, avaliam-se soluções.
Esse processo nem sempre é pacífico, já que pode pôr em causa práticas enraizadas ou exigir mudanças não antecipadas. Mas quando o que está em causa são resultados credíveis e não actos de cosmética é preciso coragem para assumir determinadas decisões. Quando age assim, quando o deixam agir assim, o designer garante resultados.
Então porque é que não se fala mais de design?

A Língua do design

Publicado no Jornal "A Capital" a 15 Maio 2005 e 22 de Maio 2005

Será um erro pensar que um designer de comunicação deve ter um conhecimento adequado da língua em que trabalha?

Outro dia, em conversa com uma designer que trabalhou em Macau, perguntei-lhe como era possível exercer a profissão numa língua tão absolutamente estranha como o chinês! É que, para além da dificuldade óbvia na interpretação dos conteúdos, o próprio desenho dos alfabetos representa um mundo novo.
Entre nós, qualquer um - mesmo que não distinga um Garamond de um Times – sempre vai podendo opinar sobre as suas preferências por uma fonte com ou sem serifa (vulgo patilhas), a negro ou fino, em caixa alta ou baixa (as comuns maiúsculas e minúsculas). Mas reconhecer subtilezas no desenho de um ideograma é outro assunto…

Nos alfabetos latinos, que dominamos e reconhecemos, um designer sabe identificar o ponto além do qual uma letra deixa de ser reconhecida; percebe que um tipo seja mais adequado à sinalização do que outro, entre outras coisas por ser mais perceptível à distância e ter uma boa diferenciação entre caracteres (fundamental quando a mensagem deve ser lida em menos de dez segundos); consegue escolher determinada fonte como sendo mais adequada do que outra para retratar uma empresa no seu logotipo.
Numa língua desconhecida, as opções sobre o mundo de hipóteses que nos oferecem as formas ficam vedadas.

E no que diz respeito ao sentido, como será trabalhar às escuras?
Como hierarquizar graficamente a informação, eliminar excessos, enfatizar mensagens ou sugerir alternativas de linguagem?

Imaginemos que um cliente, dono de uma funerária, pretende publicar um anúncio.
Entrega ao designer o nome, “Descanso Eterno”, por exemplo; a data de fundação da empresa; morada e demais contactos, entre quatro números de telefone, fax, telemóveis de serviço diurno e nocturno, email e site; uma frase publicitária do tipo “Não descansamos enquanto não estiver no Descanso Eterno” ; e outras menos publicitárias, mas informativas e igualmente importantes como “fazemos trasladações para e do estrangeiro”, “estamos contactáveis 24horas por dia”, “dispomos de vários modelos de caixões”. Naturalmente, incluindo a fotografia do moderno carro funerário.
E quer este senhor vender todos os serviços da sua agência ao mesmo tempo e por igual, num pequeno rectângulo de 6,5x25cm a publicar na edição de Domingo!
Se trabalhar conteúdos destes de forma convincente e com um resultado digno é difícil (e eu sei que assim é, porque já tive que o fazer), numa língua estranha deve ser uma missão impossível.

O mais estranho é constatar que há designers (ou outros que fazem o seu trabalho) que encaram a sua língua como se ela fosse doutros. Não lhe ligam meia.
Desconhecem a existência de dicionários, gramáticas ou prontuários, e usam palavras a granel, sem escolherem a mais adequada ou sugestiva.

Recebi há tempos uma carta de candidatura de um recém-licenciado a um lugar de designer no meu atelier. Depois da apresentação, o jovem avançava “Para que a realidade de uma formação na área do design de moda possa comprometer quaisquer conclusões, adianto a polivalência (e interesse) para um todo desempenho no design” Como???
E continua “Confirmando essa informação realço a experiência de dois anos no departamento de design, numa empresa sediada no (…), onde para além da criação de moda ainda se desenvolviam projectos conduzidos a uma linguagem e sensibilidades estéticas, na importância da imagem e apresentação gráfica”.
A escolha e ordem de apresentação das palavras, a pontuação e falta dela pertencem ao autor da carta. Omiti propositadamente a localização.
Pergunto: que garantias daria este candidato sobre a sua capacidade de dominar o enunciado de um problema, de escrever uma proposta de trabalho ou redigir uma memória descritiva? Que retrato faz da sua capacidade de raciocínio encadeado e lógico? E, principalmente, de o ser capaz de transmitir a terceiros? Pode ser dono da maior sensibilidade, de uma intuição espantosa, ou mesmo possuidor de grande competência técnica, mas como é que se faz entender?

Outros profissionais há (hesito em escrever a palavra profissional) que se limitam a colocar as palavras dentro da mancha de texto que determinaram, como se encaminhassem as ovelhas para o redil. O que interessa é que caibam lá todas!
Sem sequer as lerem, confirmando se a mensagem faz sentido. Como acontece nas instruções de segurança da Chaleira eléctrica Express HD-3358, que guardo preciosamente: “Quando removendo a tomada da cova da parede, nunca puxe na corda de poder. Nenhuma responsabilidade concordou para dano que é o resultado de uso impróprio ou non complacência com a instrução” .
Melhor só o “Domine frate magnificentissimo. Jesus venturus est and les hommes must do penitenzia. No?” de Salvatore, em O Nome da Rosa.

Naturalmente, quem é insensível ao conteúdo, quase sempre ignora ou despreza a beleza e importância que reside nos detalhes tipográficos.
São pequenos cuidados que existem para facilitar a vida a quem lê e melhorar a qualidade do que se vê. Cuidados que se tornam invisíveis quando estão presentes, mas gritam à vista na sua ausência. Parece contraditório? Não é.
Faça um pequeno exercício de atenção na leitura do jornal. Comece por observar se há linhas penduradas do final de um parágrafo no cimo de uma coluna. A verdade é que não se devem partir frases como quem parte um prato, que quebra onde bater.
Depois observe a forma como são dados títulos ou destaques. Usam a artilharia toda para chamar a atenção – bold, itálico, sublinhado, maiúsculas e a cores sobre uma caixa de cor – ou apenas a dose certa de cambiante relativamente ao resto do texto? São diferenças muito notórias quando comparamos o chamado tablóide com o dito jornal de referência.
Para concluir, repare como a paginação em colunas requer alguma atenção na forma de partir palavras (que não devem semear uma carreira de hífens coluna abaixo, nem separar erraticamente as letras das sílabas), ou de tratar dos espaços entre elas (evitando os abertos e fechados na renda do texto).
Tudo isto são detalhes tipográficos. Pormenores. Pequenos nadas que dizem tudo sobre o cuidado posto no trabalho feito para si!

O design fala com várias linguagens: a das palavras, a das imagens que cria ou interpreta, a das cores, a das memórias. E depois conjuga-as, procurando metáforas, suscitando emoções, criando sentidos. Numa língua que lhe é própria.
Mas que, entre nós, também é o português.